segunda-feira, 23 de julho de 2012

A mágica da mulher



“Enquanto o circo estiver vivo, eu também estarei”



Além da cartola ou dos lenços intermináveis no bolso, Vanessa Talarico transborda circo. Em cima do palco, a mágica; fora dele, a mulher. A idade não passa. Ou passa longe, como uma velha amiga que apenas dá oi. Nela, a experiência fala mais alto. Em Passo Fundo apenas de passagem, ela carrega histórias de uma vida sem rotina e sem descanso.

Fim de espetáculo, hora de desarmar a tenda e ir embora. O circo, sobre rodas, viaja pelas estradas gaúchas. Ao lado do equipamento a esposa de um mágico, grávida, sente as primeiras contrações. Ali, em trânsito, mais uma geração da família Talarico pede espaço no picadeiro. Vanessa chorou pela primeira vez, recém-nascida, no colo da mãe. Hoje, mais de 40 anos depois, sorri, satisfeita com o resultado da genética. Filha e neta de mágicos, a sua casa é o circo. Em meio à malabares e acrobacias encontra motivos suficientes para agradecer a vida que escolheu – ou a forma como foi escolhida.


(“Enquanto o circo estiver vivo, eu também estarei” / FOTO ARQUIVO PESSOAL)


“Desde que nasci estou aqui. É muita estrada, muita história”, enfatiza. Quanto às histórias não há dúvida e quanto às estradas, de fato, poucas são as cidades brasileiras que ela não conhece. Argentina, Itália, Bolívia e Uruguai, também já receberam seus truques. 

A arte da mágica, no entanto, surgiu muito antes da família Talarico pensar nela como forma de sobrevivência. Desconcertados com a vinda da morte, os faraós egípcios buscavam formas de resistir à ela ou de encontrar vida depois do fim. Daí, justifica-se a mumificação e os rituais sagrados. Justifica-se, também, o surgimento de pessoas que prometiam uma espécie de ressurreição. Dedi, 2 milênios antes da chegada de Cristo, encantou o faraó Keóps com sua promessa de trazer a vida àqueles que já não a tem. O primeiro mágico abriu as cortinas para milhões de outras possibilidades de lidar com aquilo que se vê, mas não se percebe. São inúmeros truques, muitas possibilidades e uma escolha. Vanessa destaca - “Nada pode dar errado” - e não dá.

A prática, realmente, levou à perfeição: “A mágica está ali, na sua frente. Quem assiste, não vê. Mas o mágico sabe que é simples”, relata. O papiro onde se lê a história de Dedi grava, também, a história de muitas outras vidas. A de Vanessa, com grande destaque.



(Fim de espetáculo, hora de desarmar a tenda e ir embora. O circo, sobre rodas, viaja pelas estradas gaúchas / FOTO ARQUIVO PESSOAL)
De assistente à mágica profissional
Ao olhar para trás, Vanessa dita as linhas de uma biografia que não está nos livros, mas que renderia um número exagerado de leitores. “Aos sete anos eu era assistente do meu pai, aos doze virei trapezista e depois fui equilibrista”, conta, lembrando de uma vida que não pesa. De assistente à mágica profissional, Vanessa não vê, ao longe, o fim do trabalho. “Enquanto existir circo, eu vou trabalhar. Se eu não puder ser artista, posso trabalhar como bilheteira. Mas não vou ficar longe do circo”. A vida debaixo da lona vai muito além do ganha pão e passa pelo amor. Foi, ali, em meio ao público, à pipoca e aos sorrisos arrancados da plateia que um trapezista ganhou seu coração. Casada há 9 anos com um uruguaio, dividem o palco e o lar. Como qualquer casal brigam, se desentendem e se acertam: “São muitos momentos bons, alguns ruins, mas por amor a gente supera”.

De trailer em trailer, eles não fixam raízes. “Quando eu comecei com meus pais, nossa casa era uma barraca, com o tempo evoluiu. Cheguei a morar em ônibus velho. As gerações de hoje já tem acesso àquilo que é confortável”. O casal tem uma casa aqui Sul, mas pouco a visitam. Preferem as estradas, as novas experiências e a oportunidade de escrever a trajetória da própria arte circense.

“Nossa alternativa é buscar cada vez mais números diferentes para não cansar quem nos assiste”
A história, no chão brasileiro, começou no século XIX. Famílias vindas do velho continente instalavam lonas e interpretavam a vida de forma alegre. A família de Vanessa, por exemplo, chegou no país dessa forma. Pai espanhol, mãe italiana, casamento no Brasil. O circo, desde sempre, incrustado na família, foi o grande guia da direção e vida daquelas que atravessaram o oceano por pura arte. E, inserida nesse meio, a caçula dos Talarico é crítica: “Não recebemos apoio. Na Europa, o espaço é destinado exclusivamente ao circo. Aqui não tem infraestrutura e não tem verba. Quando tem, não chega a todos”.

A dificuldade, segundo Vanessa, é de encontrar formas que sustentem o circo. Os equipamentos são caros, os ingressos baratos e o público, nem sempre, é presente. Quando optou por não utilizar mais os animais em números, o circo em que Vanessa trabalha perdeu mais da metade do público.


(A realidade obrigou Vanessa a procurar outra forma de estruturar a vida. Por oito anos, viveu longe dos picadeiros, se formou em Medicina Veterinária, estabilizou a situação financeira e voltou / FOTO ARQUIVO PESSOAL)


“Quando se fala em circo ou você fala em animais ou em um grande trapezista. Optamos por não usar animais e a nossa alternativa, então, é buscar cada vez mais números diferentes para não cansar quem nos assiste. Mas isso é caro. Ser mágico é um dos investimentos mais altos”, explica. 

A realidade obrigou Vanessa a procurar outra forma de estruturar a vida. Por oito anos, viveu longe dos picadeiros, se formou em Medicina Veterinária, estabilizou a situação financeira e voltou. “Não aguentei. Tive que retornar. E retornei por amor. Eu pensava em sair, para sempre. Mas o amor pela arte, é maior.”
Questionada se tem algum desejo, Vanessa diz: “Não deixem a arte do circo morrer. Gostaria que as novas gerações se dessem conta do poder de transformação do circo. Circo é vida, circo é alma.”

Em meio a estradas e histórias, Vanessa acredita no circo. Acredita com a inocência da criança que a assiste, mas com a maturidade da mulher que há 40 anos faz a mesma coisa, com um sorriso no rosto. “Enquanto o circo estiver vivo, eu também estarei.”

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